domingo, 15 de novembro de 2015

Le tourbillon de la vie - Jeanne Moreau

Ela, para cada dedo tinha um anel 
E braceletes ao redor dos pulsos
Depois cantava com uma voz 
Que, logo, me enfeitiçava

Ela tinha olhos, olhos de opala,

Olhos que me fascinavam, olhos
Tinham a sinuosidade de sua pálida face
De mulher fatal que me foi fatal
De mulher fatal que me foi fatal

Nos conhecemos, nos reencontramos

De vista nos perdemos, nos perdemos
Nos reencontramos, nos aquecemos,
E depois nos separamos.

Cada um por si, partimos

No turbilhão da vida
Cheguei a vê-la uma vez, ai!
Foi há muito tempo
Foi há muito tempo

Ao som dos banjos a reecontrei

O estranho sorriso que tanto me agradara
Sua voz tão fatal, sua face pálida e linda
Me comoveram como tal.

Embriguei-me sob aquele som

O álcool pode apagar o tempo
Ao sentí-la, sonhei
Com beijos sobre minha fronte febril
Com beijos sobre minha fronte febril

Nos conhecemos, nos reencontramos

De vista nos perdemos, nos perdemos
Nos reencontramos, nos separamos,
E depois nos aquecemos.

Cada um por si, partiu

No turbilhão da vida
Cheguei a vê-la uma vez, ai!
Ela caiu nos meus braços!
Ela caiu nos meus braços!

Quando nos encontramos

Quando nos reencontramos,
Por que nos perdemos de vista
Nos perdemos de novo?

Quando nos rencontramos,

Quando nos aquecemos,
Por que nos separarmos?

Então os dois partiram

No turbilhão desta vida
Continuávamos a rodar
Ambos abraçados,
Ambos enlaçados.

domingo, 28 de junho de 2015

Os furos do meu nascer - Henri Michaux*

Quito, 25 de abril


Um vento pavoroso vem.
No meu peito há um singelo furo,
É por ele que esse vento vem,
Miúda cidade de Quito, não és para mim.
Falta me o ódio, a inveja, é a minha sanidade.
Uma grande cidade é que me falta.
Um grandioso banquete de inveja.

É apenas um singelo furo no meu peito,
Mas é nele que tal vento vem,
Nesse furo inveja tem (sempre), impotência e medo há também,
Há impotência e nela o vento adensa,
Forte como são os turbilhões
Partiria o aço de uma agulha,
E é apenas um vazio, um vento. 
Maldição sobre toda terra, sobre a civilização, sobre todos os seres na superfície de todos os planetas, por causa desse vazio!
Disse, esse senhor o crítico, que não é ódio o que tenho.
Vazio, é o que lhe oponho.
Ah! Como se encontra terrível em minha pele!
Preciso chorar tendo em vista o valioso pão, a dominação, e o amor, o pão da glória muito além afora,
Preciso observar pelo vidro da janela,
Tão vazio quanto eu, que nada se vê.
Disse chorar: não, é uma fria perfuração, que fura, perfura, incassavelmente,
Em uma viga de faia de centenárias gerações de versos que deixaram tal herança: "Fure...Perfure."
Encontra-se à esquerda, mas não é o coração.
Buraco, eu disse, nada mais que isso, é raiva e nada posso.
Sete ou oito sentidos tenho. Um deles: o que falta.
Eu o toco e o apalpo como se dá o toque ao bosque.
Mas este como uma grande floresta, daquelas que na Europa não se encontra mais.
E é a minha vida, pelo vazio a vida minha.
Se ele sumisse, esse vazio, me procuro, me extasio e pior ainda.
Me edifiquei sobre uma coluna ausente**.
O que teria dito Cristo se ele assim também tivesse sido feito?
Há essas doenças, se as interrompemos, ao homem nada sobra,
Ao invés ele morre, tarde demais.
Uma mulher poderia se contentar com o ódio?
Se assim for, então me ame, me ame em excesso e me diga,
Escrevam-me, qualquer uma de vocês.
Porém o que é o que é, esse mísero ser?
Não o compreenderia por muito tempo.
Nem duas pernas nem um grande coração o meu vazio ocupariam.
Nem os olhos cheios da Inglaterra ou do sonho como se diz.
Nem uma voz lírica que se diga plena e quente.

Os arrepios sempre acham em mim o frio já pronto.
Meu vazio é insaciável, triturante, aniquilador supremo.
Meu vazio é estofo e silêncio.
Silêncio que a tudo faz parar.
É silêncio estelar.
Embora é profundo o furo, ele é sem fôrma.
As palavras não o encontram,
Ao seu redor, rebuliçam.
Sempre admirei aqueles que se creem que de revolução, pois, se sentiriam como irmãos.
Falam uns dos outros emocionados: fluídos como um caldo.
Isto não é ódio, meus amigos, isto, é gelatina.
O ódio é sempre duro,
Esbagaça aos outros,
No entanto desbasta os seus ao interior sem cessar.
O outro lado do ódio.
E é lugar de cura. Lugar.


*Poema presente no livro Ecuador de 1929. Segue o link para o texto original:
http://www.florilege.free.fr/florilege/michaux/jesuisne.htm

Como sempre, trata-se de uma tradução amadora. Pode haver alguns erros ou reparos a serem corrigidos. De alguns erros ou equívocos estou ciente. O próprio título original, por exemplo, Je suis né troué deveria ser traduzido por Eu nasci furado. Mas como prova de livre intervenção, "poder do tradutor", preferi o título que encabeça a postagem. Geralmente procuro cotejar minhas traduções em outros idiomas quando possíveis, mormente, o espanhol, inglês ou italiano. Porém, esse texto não consegui em outra língua e o fiz diretamente do francês - o que pode aumentar ainda mais a possibilidade de erros. De qualquer forma, tive de fazê-lo. 

**Provavelmente o verso mais famoso desse poema, inclusive utilizado por Claude Lefort como título em um de seus livros. Agradeço também à Aline P. S. por ter ajudado neste verso em específico chamando atenção para certos equívocos cometidos por mim. 

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